segunda-feira, 8 de agosto de 2011

As politicas do Estado

Introdução
Desde a segunda metade do século XX, o direito internacional vem sofrendo grandes transformações em sua disciplina, ampliando seu objeto e incorporando novos elementos no debate de seus institutos.
Por outro lado, na análise evolutiva do papel do Estado, ponderando a própria identificação das necessidades da coletividade e o seu grau de intervenção nas atividades privadas, diversas teorias foram formuladas para justificar cada modelo assumido historicamente pelas organizações estatais.
Desde o reconhecimento inconteste do Estado Regulador, diversas exposições têm igualmente sugerido as razões para a modificação do papel estatal, sendo algumas destas associadas à perspectiva dos avanços da Globalização e das realidades advindas do plano internacional. Como o papel regulador do Estado encontra-se unido a uma nova etapa do liberalismo, restaria uma indagação se este não poderia ser uma mera invenção dos neoliberais que irradiariam as concepções do interesse das corporações supranacionais às diversas nações.

Neste sentido, por meio do controle estatal seriam reconhecidos oficialmente aqueles interesses das grandes corporações, servindo a Regulação e o Estado como coadjuvantes dos grandes protagonistas do fenômeno global. Contudo, toda esta investigação deve não só ponderar a noção de Estado, repensada diante desta nova era, e ainda hoje presente. Tanto assim que Manuel Castells (1999, p. 32), afirma que o "Estado continua sendo um elemento essencial de regulação econômica, de representação política e de solidariedade social", embora com uma forma de atuação que seja capaz de incorporar todas as transformações trazidas por essa nova ordem internacional.

O Direito Internacional, o Estado e a Globalização
De início, alargando a noção da tradicional disciplina da guerra e da paz, o direito internacional ganhou novos objetos, no pós-guerra, tendo a doutrina especializada (Trindade, 2002) cuidado destes novos desafios dos novos institutos e dos novos sujeitos da ordem internacional, sobremaneira neste mundo global em constante transformação.
O maior destaque deste momento foi a incorporação, por exemplo, dos direitos humanos como seu objeto de disciplina, como esclarece Thomas Buergenthal, citado por Flávia Piovesan (2007, p. 117) , ao afirmar que "o moderno Direito Internacional dos Direitos Humanos é um fenômeno do pós-guerra". Ou, como destacam as linhas de Ricardo Lobo Torres (2004, p. 243):
A Teoria dos Direitos Fundamentais vem se desenvolvendo extraordinariamente nos últimos anos, a coincidir com o crescimento do interesse universal pelos Direitos Humanos e com o resgate do tema pela Filosofia do Direito, pelo Direito Constitucional e pelo Direito Internacional.
De outro lado, no campo do Direito Administrativo Econômico os efeitos da Globalização vão ser mais sentidos do que em outras searas do ordenamento Estado Democrático de Direito. Assim, não se pode ignorar o surgimento de um direito internacional da integração, cujo impacto sobre a soberania das ações não é desprezível. A título de ilustração vale reconhecer a revolução sofrida pelo direito penal para dar conta de novas práticas criminais a partir "economia-mundo dos Estados" (Braudel, 2004), para os quais uma visão interdisciplinar se evidencia com força nessa atualidade indispensável para compreender os fenômenos globalizantes.
Esse novo contexto transborda novas relações complexas entre o capital e o trabalho. A revolução dos meios de produção e de transporte, o nascimento das empresas com investidores anônimos, as novas posições do mercado financeiro, a complicada interação dos fatores do mercado econômico, do trabalho e do mercado financeiro, dos preços, dos salários e das rendas, tudo isso vai exigir das normas jurídicas formulações que não aquelas do direito comum e provocar medidas de proteção. A situação confere à norma legal o papel instrumento de proteção da economia nacional e popular, mesmo porque as atividades transacionais utilizam comportamentos próprios, exigindo uma novel investigação jurídica. Nesta esteira, por todos Tepedino (1999, p. 187), assevera que:
Hoje, os conglomerados empresariais transnacionais tornaram-se os protagonistas não estatais da vida econômica mundial, concentrando um poder gigantesco. Tais empresas buscam planejar a sua atuação e disciplinar o seu relacionamento recíproco valendo-se de regras próprias de conduta, que não se confundem com as leis de qualquer Estado Nacional, mas que antes representam praxes aceitas pelos agentes do mercado em que atuam.
Acontecimentos fundamentais no século passado – a Primeira Guerra Mundial de 1914-18; a crise econômica de 1924; a Segunda Grande Guerra de 1939-45; e a crise do petróleo em 1974-78 – marcaram a superação do sistema capitalista anterior, com o conseqüente abandono ou a mutação dos seus princípios diretores. Nesse contexto, surge, para alguns (por todos que defendem a autonomia do novo ramo, veja-se Fonseca, 2004), o Direito Econômico como um direito novo em face de uma nova realidade estatal econômica, possuidor de características próprias e de alcance intervencionista declamado.
Ainda que não sob o manto de uma nova ramificação do Direito ou apenas como uma nova forma de atuação administrativa, inquestionável a necessidade existencial do direito para regular o mercado de forma eficiente, marcado pela também inafastável conseqüências da globalização. Ou, nas linhas de Campilongo (1999, p. 74):
“se o sistema jurídico estivesse por conta da globalização, se confundindo com a imposição da lei do mais forte, com os procedimentos financeiros ou com as práticas comerciais internacionais, ou seja, com o sistema econômico, não haveria razão para que continuasse sendo chamado de direito ou para que se distinguisse da economia. [...] reduzir o direito à economia ou à política é sucumbir a formas difusas de autoritarismo”.
É certo que essa internacionalização em escala produziu novas formas de criminalidade e ilícitos em geral, que se caracteriza, fundamentalmente, por ser supranacional, sem fronteiras limitadoras, distanciando-se nitidamente dos padrões de antijuridicidade que tinham sido até então objeto de consideração legal.
Esta virada nas relações sociais e, conseqüentemente, do posicionamento jurídico vem sendo reconhecida pela doutrina nacional nas diversas áreas da disciplina, sobremaneira pelas transformações da integração econômica e das sociedades.
Nesta virada de século, em decorrência de pressões advindas de transformações nem sempre originada no interior de suas fronteiras, os estados nacionais vêm sendo pressionados a adotar um novo padrão de atuação. Menos que um esvaziamento, esta tendência demanda do Estado transformações substantivas no elenco de suas competências. (Campos, 2000, p. 30)
Independente destas considerações, essa nova disciplina do direito econômico global estará sempre subordinado ao modelo constitucional definido por Estado, reservatório último da orientação ética e política das sociedades democráticas modernas. Numa visão interdisciplinar, a economia não é - e não pode ser - um valor absoluto, pois assim entendida só conduziria ao aumento das desigualdades, a concorrência desleal e do fosso entre ricos e pobres. Não é possível se imaginar uma globalização somente guiada pelas leis de mercado ou que legitime apenas os interesses dos Países mais poderosos.
Nessa direção de perceber o fenômeno da Globalização e suas repercussões, principalmente no Direito, assumem dimensão bem ampla, não se limitando a uma expressão neoliberal e de bases puramente econômicas. Todavia, o Estado-Nação não se tornou sem importância e os governos internos possuem um sentido cada vez mais relevante.
O Estado continua sendo um agente importante na indução do desenvolvimento – como destaca a própria Constituição de 1988 –, mesmo que certos poderes tenham sido enfraquecidos com a Globalização. Paradoxalmente, a interconectividade desse mesmo sistema global aproxima e cria novas demandas, não comportando mais qualquer isolacionismo, seja externo, em relação a outras Nações, seja interno, em relação a suas próprias regiões.
Essa colaboração é determinante no processo de globalização e relevante para se entender de forma mais abrangente o Estado e sua capacidade administrativa e reguladora, que, a cada vez, envolve muito mais atores internos e de natureza transnacional na construção de sua governabilidade. Castells (1999, p. 64) lembra, com muita propriedade, que:
“A experiência da última década demonstra que o estado continua sendo um importante agente de intervenção estratégica nos processos econômicos, ainda em sua dimensão global, e que os contextos institucionais e reguladores são extremamente importantes para as empresas, para os trabalhadores, para economia e para a sociedade (...) Há fronteiras, há Estados, há leis, há regras de jogo institucionalizadas (...) É precisamente esse duplo caráter da economia, que funciona mediante fluxos globais articulados, interagindo com uma geografia diferente de instituições nacionais e regionais e locais, o que dá um papel relevante às políticas públicas que podem constranger, orientar ou, ao contrário, deixar inteiramente sem controle os fluxos de capital e as tendências do mercado.
Convém, portanto, não mitificar por demais os controles jurídicos - alguns já contando com séculos de emprego e desenvolvimento, principalmente no Direito Administrativo tradicional - cujo uso é efetivo. Já para outras instituições, transformações foram inevitáveis a partir do fenômeno da Globalização, como a questão da soberania, da livre concorrência, do poder regulador do Estado depois de sair do papel de protagonista das atividades econômicas.

A Questão da Soberania
De plano, convém jamais olvidar que na Constituição Brasileira a soberania tem status de fundamento (art. 1º CF) do Estado Brasileiro, bem como de princípio (arts. 4º e 170 CF). Num primeiro sentido, como independência nacional, no que concerne às relações internacionais. E, na segunda hipótese, como princípio informador da ordem econômica.
O conceito de soberania, contudo, tem comportado sensíveis divergências, sobretudo devido à falta de unanimidade em sua definição e em razão da discrepância entre os conceitos teóricos e fáticos. Essa disparidade incrementa-se diariamente, ante a nova realidade que se apresenta a realidade do mundo "globalizado".
Numa visão clássica, a soberania, como no escólio de Marcelo Caetano (1987, p. 169), consiste em:
Um poder político supremo e independente, entendendo-se por poder supremo aquele que não está limitado por nenhum outro na ordem interna e por poder independente aquele que, na sociedade internacional, não tem de acatar regras que não sejam voluntariamente aceitas e está em pé de igualdade com os poderes supremos de outros povos.
Nesta premissa, a soberania somente seria vista como o poder independente, ou seja, na via da independência do Estado no contexto internacional, onde este mesmo Estado é livre para acatar ou não as regras deste ambiente e está em pé de igualdade com os poderes supremos de outros povos, bem como da soberania como poder político supremo, que é aquele que não está limitado por nenhum outro na ordem interna do Estado.
Todavia, a própria doutrina já tinha suavizado tal poder supremo, sobretudo diante da realidade da existência de uma ordem internacional, como conclui o Ministro Francisco Rezek (1996, p. 226) ao abordar o tema da soberania em suas definições elementares:
Atributo fundamental do Estado, a soberania o faz titular de competências que, precisamente, porque existe uma ordem jurídica internacional, não são ilimitadas; mas nenhuma outra entidade as possui superiores.
Por óbvio, uma série de efeitos da globalização atua sobre a soberania dos Estados, com as políticas protecionistas, as barreiras de entrada e os conseqüentes exames destas à luz de órgãos institucionais de direito internacional. Por outro lado, a volatilidade dos recursos financeiros em escala mundial é muito acentuada, sendo tais recursos objeto de uma corrida internacional por lucratividade mais expressiva, independentemente dos resultados nefastos que essa fuga pode infligir aos países.
Neste cenário atual, essa volatilidade faz com que os Países chamados "emergentes", dependam, e muito, de recursos financeiros emergenciais para combater seus efeitos, muitas vezes acompanhadas de imposição de cartilhas que ditam a política econômica a ser adotada, chocando com os tradicionais conceitos da autodeterminação.
Também nesse sentido, e com mais acidez, o entendimento consignado no artigo intitulado Constituição, Soberania e MERCOSUL, de Carmen Lúcia Antunes Rocha (1998, p. 287), do qual se destaca o seguinte trecho:
A globalização que se oferece como fatalidade do atual momento histórico é a econômica e não é um processo que titularize os Estados na condição de principais protagonistas. Antes, ela vem como uma condição de realização de capitais e interesses particulares, valendo-se dos agrupamentos humanos como manadas de consumidores que oferecem o cheiro do lucro a ser revertido em benefício dos empresários. Não é um processo no qual atue predominantemente o Estado, pelo que o seu ordenamento não submete tal atividade. Em verdade, este processo de globalização econômica não dispõe de leis, pois as denominadas "leis do mercado" são verdadeira e exclusivamente o domínio da força. No curso desta mercantilização das relações internacionais, há crescente presença dos Estados economicamente fortes sobre os outros, que aqueles pretendem usar segundo as suas conveniências financeiras, num neocolonialismo que não renega a história de exploração de alguns países por outros e para o que se pretende uma hegemonia contrária aos ideais de libertação e aos princípios da liberdade e da igualdade.
Não por outros motivos, é reconhecida atualmente uma acentuada relativização das soberanias dos países, no que concerne às atividades e relações econômicas que desenvolvem, mas também relativamente às atividades que são desenvolvidas por outros Estados em suas próprias economias, sejam esses países ricos ou não, configurando-se tal relativização verdadeiros desafio às soberanias.
Todavia, há vozes dissonantes, no sentido de que, embora as tendências globalizadoras da economia hodierna configurem novos desafios para o Estado-Nação, é na resposta a tais desafios que se evidencia a força e a vitalidade dos Estados, e não uma suposta fraqueza.
Como sugere Milton Santos (2002), mais do que se enxergar a globalização como uma fábula ou uma perversidade, deve ser o fenômeno visto com uma possibilidade aberta ao futuro de uma nova civilização planetária, assumindo o Estado grande desafios interna e externa.
No fundo, a própria doutrina internacional recupera o Estado como o principal ator deste mundo global, como nas primorosas linhas de Michael Virally (1998, p. 416):
Los estados son los actores ‘primarios’, o primeros’, de la sociedad internacional, porque se establecen a partir de una comunidad humana, instalada en un territorio, a la que dan existencia política. El estado encuentra en sí mismo su propio fin, que es el gobierno des grupo social que organiza la defensa de su seguridad, el desarrollo de su prosperidad o, más simplemente todavía, el mantenimiento y la superveniencia de ese grupo en medio de todos los demás con los que se encuentra en relación y, al (en general calificados como intereses ‘nacionales’) que debe defender y promover con respecto al exterior.
Os defensores do esfacelamento do Estado-Nação vêem indícios de corrosão da soberania na majoração ou supressão das taxas alfandegárias, na ampla liberdade dos capitais especulativos internacionais, na intensa privatização de setores econômicos controlados pelo poder público etc. Interpretam, em grau máximo, que o novo contexto das funções econômicas dos Estados é indicativo de sua própria dissolução.
Entretanto, o que ocorre é uma mudança mais fática que conceitual. Seria natural e possível considerar a soberania diante do momento e dos fatos em que ela se insere, sem olvidar, por notórias, as tendências mais modernas inerentes às relações internacionais. Assim, sugere Manuel Castells, quando afirma que:
Os mercados globalizados e informatizados já não necessitam do Estado, como foi o caso ao longo de toda a história da humanidade, e em particular do processo de industrialização nos últimos dois séculos. O que se tornou redundante, ou ineficiente, foi o Estado Produtor. E o que se tornou inviável foi o estado foi o Estado plenamente soberano, tomando decisões inapeláveis no marco de seu território. (...) A incapacidade do Estado para decidir por si só, em um mundo em que as economias nacionais são globalmente interdependentes, obriga a adaptação de regulações inaplicáveis, porque a pior forma de descontrole é manter vigente o que não se pode aplicar.
Relevante ressaltar as inclinações mais modernas da Teoria do Direito e das relações internacionais que apregoam a soberania relativa dos países membros de blocos comunitários internacionais, bem como dos países signatários de Tratados Internacionais relativos à adesão em estruturas organizacionais supranacionais em detrimento de sua soberania absoluta.
O Professor Ives Gandra da Silva Martins (1998, p. 17) claramente defende tal idéia:
[...] do Estado Clássico surgido do constitucionalismo moderno, após as Revoluções Americana e Francesa, para o Estado Plurinacional, que adentrará o século XXI, há um abismo profundo. [...] em outras palavras, o Estado Moderno está, em sua formulação clássica de soberania absoluta, falido, devendo ceder campo a um Estado diferente no futuro. [...] na União Européia, o Direito comunitário prevalece sobre o Direito local e os poderes comunitários (Tribunal de Luxemburgo, Parlamento Europeu) têm mais força que os poderes locais. Embora no exercício da soberania, as nações aderiram a tal espaço plurinacional, mas, ao fazê-lo, abriram mão de sua soberania ampla para submeterem-se a regras e comandos normativos da comunidade. Perderam, de rigor, sua soberania para manter uma autonomia maior do que nas Federações clássicas, criando uma autêntica Federação de países. [...] nada obstante as dificuldades, é o primeiro passo para a universalização do Estado, que deve ser "Mínimo e Universal". [...] a universalização do Estado, em nível de poderes decisórios, seria compatível com a autonomia dos Estados locais, aceitando-se a Federação Universal de países e eliminando-se a Federação de cada país, que cria um poder intermediário que, muitas vezes, se torna pesado e inútil.
Celso Ribeiro Bastos (1998, p. 165), no mesmo sentido, preconiza o que segue:
(...) o princípio da soberania é fortemente corroído pelo avanço da ordem jurídica internacional. A todo instante reproduzem-se tratados, conferências, convenções, que procuram traçar as diretrizes para uma convivência pacífica e para uma colaboração permanente entre os Estados. Os múltiplos problemas do mundo moderno, alimentação, energia, poluição, guerra nuclear, repressão ao crime organizado, ultrapassam as barreiras do Estado, impondo-lhe, desde logo, uma interdependência de fato. À pergunta de que se o termo soberania ainda é útil para qualificar o poder ilimitado do Estado, deve ser dada uma resposta condicionada. Estará caduco o conceito se por ele entendermos uma quantidade certa de poder que não possa sofrer contraste ou restrição. Será termo atual se com ele estivermos significando uma qualidade ou atributo da ordem jurídica estatal. Neste sentido, ela – a ordem interna – ainda é soberana, porque, embora exercida com limitações, não foi igualdade por nenhuma ordem de direito interna, nem superada por nenhuma outra externa.

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